terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Caro leitor (sim, por agora já só devo ter um: o Pyotr, que só quer fazer o seu trabalho de colocar em blogues menos activos comentários informativos sobre a aquisição online de Viagra), eu sei que tenho andado meia desaparecida. Não sei qual será o futuro desta extraordinária pastelaria: é que estando em crise, talvez este vestuto estabelecimento trabalhe horas extras ou feche. Até o excremento e bolinhos feitos do mesmo custam a produzir.

Posso garantir, no entanto, que os últimos meses têm sido, no mínimo, interessantes. Desde conhecer jovens loiros e atraentes junto à campa do Keats (isto aconteceu mesmo) a flirtar com magnatas gregos (isto não aconteceu), tenho andado muito ocupada.

Este meu regresso deve-se à época natalícia. Não só ao facto de estar extraordinariamente sóbria considerando que estou rodeada de gente da minha família, mas também porque vi aquele novo reclame da Coca-Cola, sobre um tal de mundo bonito em que vivemos.

Vou ser muito sincera: não bebo Coca-Cola. Pelos trabalhadores colombianos e porque é uma corporação no mínimo assustadora, e também porque só gosto de bebidas gaseificadas se a) tiverem álcool ou b) se forem água com gás em dias de ressaca. Como podem ver, sou uma pessoa de princípios e levo a bebida muito a sério. Reparem, na minha juventude bebi Safari cola numa ou noutra ocasião. Não é muito a minha coisa, não só pela audiência-alvo de tal bebida, mas também porque é fraquinha para caramba. Se quisesse beber algo fraquinho, ia à barraquinha dos shots no recinto da Queima e pedia aquele que nem sequer está anunciado porque é supostamente forte (é uma roubalheira, dois ou três depois e não aconteceu nada. Cá para mim aquilo é água com Tantum Verde).

Dizia eu que este novo anúncio da Coca-Cola me fez sentir algo desconfortável e nauseada.

O vídeo começa logo por dizer que "alguns dizem que tudo está perdido". A imagem que ilustra isto é um incauto senhor que apenas está a fazer o seu trabalho: dizer que tudo está perdido e relatar as últimas lesões futebolísticas num telejornal. É como dizer de um padeiro que está sempre com a mão na massa, ou de um mergulhador que tem a boca na botija. Ok, tem piada e é um trocadilho algo asinino se de facto o padeiro e o mergulhador não tiverem sido apanhados em flagrante a assaltar uma bomba de gasolina.

Não temam, no entanto: por cada locutor de televisão, há vários casais que querem ter um filho. Mostram-nos então um adorável casal loiro deitado numa cama e muito vestido. Ok, é um bocado triste saber que em pleno século XXI 200.000 crianças vão ser filhas de missionários (topam?) e presumivelmente vão continuar a estragar as vidas sexuais de pessoas por esse mundo fora. Reparem, eles nem sequer estão semi-vestidos porque a sua ânsia de... y'know... era tão grande, mesmo à filme. Especulações sobre a vida sexual deste casal à parte, isto é um bocado wtf. Esperem, mas isto é necessariamente algo bom? Cá para mim ter filhos é mais neutro. Afinal, há muitos pais incompetentes por aí e este é um mundo um bocado lixado. Aposto que este casal, com esta apicantada vida sexual, nunca vai enfrentar um longo e árduo casamento de vinte e tal anos até se divorciarem cheios de rancor quando um deles começa a frequentar a sala Kamasutra dos chats do AEIOU. Mais: por muito louvável que seja tudo isto de se fazer sexo extraterrestre em que a fertilização se dá por via manual (ahem), e 200.000 (ou mais, provavelmente mais) crianças em todo o mundo que querem ter pais? E as pessoas que querem adoptar mas não podem porque são casais do mesmo sexo ou pais solteiros? E ainda as pessoas que, como eu, provavelmente nunca vão ganhar o suficiente para tal coisa?

O vídeo prossegue: por cada tanque de guerra, são feitos uns milhares de ursos de peluche. O que é que o traseiro tem a ver com as calças? Ah, sim, ursos de peluche: aquela temível estratégia anti-guerra. Como quando os activistas entopem os canhões dos tanques com ursos de peluche e... ah, esperem, isso não aconteceu. Mas suponho que a Coca-Cola esteja antes a pensar no trabalho infantil em países asiáticos. Reparem, enquanto as pessoas estão ocupadas a ser exploradas para fazer ursos de peluche, é menos provável que pensem em invadir e roubar a Coca-Cola ou algo do género.

O par seguinte diz algo como "quando o desemprego e a pobreza aumentam, as doações de alimentos sobem 30%". O que é excelente, reparem, e acho louvável que as pessoas se preocupem umas com as outras. O problema é que essas doações geralmente não são feitas pelas pessoas que estão a causar o problema, e enquanto as pessoas do "moderadamente rico" ao "sem-abrigo e sem-comida" se vão aguentando umas às outras, há vários empresários que sofrem por não poderem comprar outra ilha nas Bahamas. Mais, as doações de alimentos são uma coisa mesmo, mesmo muito provisória. Mas é claro que a Coca-Cola nunca, mas nunca, se escaparia a culpar o seu próprio presidente e os amigos dele. Afinal, são uma empresa íntegra que gosta de crianças loiras e rechonchudas a cantar (fine, estou a ver algumas ali que não são loiras nem rechonchudas, mas se contarem vão ficar surpreendidos com a diferença numérica).

Somos então informados do facto de cada pessoa corrupta corresponder a umas 8.000 que dão sangue. Mais uma vez, tudo a ver. Essa estatística seria ainda melhor se, por exemplo, pessoas homossexuais não fossem frequentemente excluídas. Na verdade, isso é porque cada estação móvel de recolha de sangue é uma máquina do tempo que nos pode levar à era Reagan num piscar de olhos. Há razões para acreditar nas viagens no tempo - amanhã mesmo pode ser que o 34 me leve aos anos 20. Nunca se sabe.

"Por cada crime cometido em Portugal, há três pessoas que se oferecem para o voluntariado" é o "facto" seguinte. Podíamos analisar a estreita relação entre o estado deste "mundo melhor" e a criminalidade, mas não o vamos fazer, nem questionar a estranha lógica de neste "mundo melhor" haver criminosos, pessoas corruptas, e desemprego. Se calhar é uma referência ao Candide, de Voltaire. Muito bem. Mas vá, vamos acreditar que este voluntários estão a ajudar crianças carenciadas a fazer os deveres e a tirar garrafas de Coca-Cola das florestas. Realmente, é coisa louvável.

A pessoa (ou pessoas) que pensaram neste anúncio afirmam de seguida que "há mais vídeos divertidos na Internet do que más notícias em todas as televisões". Isto leva-me a crer que a equipa publicitária da Coca-Cola é composta por pessoas como os meus pais, que são pessoas muito ingénuas. A Internet é mesmo muito grande, ou seja, há mais de tudo na Internet do que num país Europeu de média dimensão. Ou algo assim. Também há mais pornografia na Internet do que "vídeos divertidos" no YouTube. Teria de concordar que um mundo em que posso passar mais tempo a ver rapazes ruivos a "jogar futebol" do que a pensar em atentados terroristas e pessoas cuja renda não justifica a humidade e era pintar tudo com uma tinta à prova de humidade porque isto é só humidade, é de facto um mundo mesmo muito bom. Claro que pornografia com rapazes ruivos é apenas uma pequena percentagem de tudo o que a Internet tem para oferecer. Não sei se "há mais hentai sobre tentáculos na Internet do que más notícias em todas as televisões" é um "mundo melhor", mas é certamente um mundo mais estranho e psicologicamente interessante.

Por falar em pornografia: alguém reparou naquele casal com ar de quem estava a caminho daquelas orgias de luxo no sul de Inglaterra? E naquele bombeiro com um maxilar bastante bonitinho? Ou sou só eu que estou sugestionada? Se calhar é isso. Desculpem, pronto.

Não é grande imaginação minha, no entanto, o quão inane é implicar que criticar Portugal é negativo. Caro Português, não critique a Pátria! E destape o candeeiro de pé da sala, porque as cuecas da sua namorada estão a abafar um bocado o som e a nossa gravação não está a sair tão bem. Lembre-se também de nos contar se algum dos seus vizinhos disser mal do nosso louvável Portugal ou dos nossos queridos líderes. Se isso acontecer, depois de nos dar conta do incidente, lave os seus ouvidos com Fado, a gloriosa música da nossa nobre e ilustre nação!

A nossa nobre e ilustre nação, com um salutar clima em que há mais dias de sol do que de chuva. Isso faz de nós superiores, por exemplo, aos Ingleses a quem São Pedro só agracia com dias de sol a 29 de Fevereiro de anos ímpares.

Pena, claro, que sejam todos forçados a ir procurar emprego noutros sítios (com mais sol?) como o Brasil ou Angola.

Eu vou cortar ligeiramente os meus pulsos e ver se acredito num mundo melhor.

P.S.: O "Bolinhos de Cocó" é um blog politicamente neutro. Aqui na redacção, temos pena de todos os líderes partidários que se arrastam arduamente de jantar em jantar e têm de investir pequenas fortunas em fatos. É que nós compreendemos e sabemos como é difícil - não conseguimos dizer que não a um gin ou um vestido novo. Parecendo que não, elas não matam mas moem... e resultam nesta grande misantropia que sentimos diariamente. Nem fugir para uma villa nos arredores de Paris e viver um estilo de vida decadente cheio de plantas exóticas e aguarelas de Moreau resultou.

E para quem leu tudo isto até ao fim:

Retiro tudo o que disse. Vivemos num mundo maravilhoso, bonito, e com uns belos abdominais. Podia era ter menos pêlos no peito. :(

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